quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O CANTE NOS CAMPOS DO SUL
Fonte: http://cantoresintervencao.com.sapo.pt/ERAPOSO_OcantoeoCante.pdf
Paralelamente a toda a ruralidade, embora parcialmente urbanizada,
que “alimentou” e onde o Canto de Intervenção sempre foi “beber”e, de alguma
forma a Nova M P P, manteve-se quase intacta nos campos do Sul, essa forma
polifónica pura que é Cante. E se a sua origem se perde na noite dos tempos
com tantas similitudes na Córsega e no Magrebe, o Cante atravessa diacronicamente
a História e depois de estar vedado temporariamente às mulheres,
salvo raras excepções, quando se mudou da ceifa para a taberna -com a
mecanização agrícola, no consulado salazarista-, posteriormente a mulher
recuperou o seu direito próprio de cantar em público com o surgimento dos
grupos corais femininos.
A mulher alentejana, tal como o homem, é contemplativa, vive com
dignidade e morre de pé, até porque o doce sabor agreste da planície não lhe
deixa outra alternativa. O Cante, tal como o foi o Canto de Intervenção, foi e
é, por excelência, uma forma de resistência ao poder. Senão vejamos este
exemplo, uma adaptação popular de Francisco Naia: Mas que linda comitiva/
Vejo na rua a passar/ São os nossos governantes/ Que nos vêm a visitar/ Têm
jeito no vestir/ E bons modos no falar/ Mas aquilo que prometem/ Não os
vemos a realizar. O Cante, é uma polifonia simples, a duas vozes paralelas, à
terceira superior. Como polifonia, situamo-la na época em que esta tinha o
principal lugar na música, toda ela vocal, a que se deu o nome de Milénio
vocal, uma polifonia sem instrumentos”, como nos diz o Padre Marvão31.
Ainda segundo o mesmo investigador, em algumas das modas que compõem
o Cante sobressaem dois sistemas musicais, inteiramente distintos, que são:
“o sistema modal, em uso durante toda a Idade Média, e o sistema tonal, já
fruto do Renascimento. O sistema modal grego, adaptado e modificado por
S. Gregório, era composto dos modos Dórico, Frígio, Lídio, Mixolídio e Eólio.
Os modos gregos tinham também sete notas, cujos tons variavam na escala,
ao contrário das nossas escalas, cujas melodias giram em volta da tónica ou
da super-dominante, segundo o tom é maior ou menor”32. Mas se a definição
de Cante não gera polémicas, a sua origem, essa é alvo de acesas discussões,
desde o autor referido a defender o seu nascimento nas escolas de polifonia
clássica do século XV, de Évora, frequentada pelos monges de Serra de Ossa,
que se estabeleceram em Serpa, mas que é contra-posto por outros investigadores
e cantores/músicos (Jorge Raposo, José Orta, Francisco Fanhais, etc.)
devido à não existência de indícios históricos do uso do Fabordão na referido

Escola de Música da Sé de Évora. A relação com os cantos árabes, defendida
por outros é posta em causa por terceiros com o argumento que o cancioneiro
tradicional do Magrebe não tem uma estrutura polifónica. O que é certo é que
o Cante, com um percurso que o próprio Estado Novo tentou utilizar para a
sua “Política de Espiríto”, manteve as suas características essenciais de pureza
e de ruralidade, uma temática onde por orden decrescente surgem o Amor,
a Natureza e o Trabalho, e hoje, em tempos de mudança, os cantadores estão
inclusive organizados na MODA -Associação do Cante, onde através da pesquisa
tentam preservar a pureza e a dignidade do Cante, condenando a sua
adulteração e entoando as modas do Cancioneiro Tradicional.

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